Seja bem-vindo

Olá, sou Eduardo de Castro Gomes. Pretendo discutir aqui primordialmente questões sobre redação. Não se trata de um aprofundamento em gramática ou linguística, mas, sim de se abordar temas como a dificuldade e as motivações para escrever, como desenvolver temas, como expor as ideias por escrito, como finalizar um texto, tipos de texto, etc.
Também estão publicadas opiniões e experiências sobre educação, política, sociedade, fé.
Espero que apreciem e que sua visita seja proveitosa.
Obrigado.

29 de ago. de 2016

Dicas simples para uma redação

Quantas vezes você já ouviu uma pessoa dizer: “não foi isso que eu escrevi”, ou: “você entendeu errado o que eu disse”? Neste texto vou tentar pelo menos diminuir, escrevendo, esses equívocos.

O que apresento aqui não é uma fórmula única, existem "N" meios pelos quais você pode escrever e se fazer entendido. Estas dicas são apenas um dos caminhos. Vamos a elas:

Não conheço o tema, e agora?
Quando você tiver um tema para redigir, antes procure ler dois textos que falem sobre o assunto, um a favor e outro contra. Não pulverize sua redação com muitas ideias, para você mesmo não se perder nelas.
Leia os dois textos e procure entendê-los, busque o significado de palavras desconhecidas.
Leia como se o tema fizesse parte da sua profissão e seu salário dependesse do seu entendimento sobre ele.
Depois de ler os dois textos, comece a fazer uma comparação entre eles e tire suas próprias conclusões.
Quando tiver compreendido tudo, comece a escrever o que você entendeu sobre os textos, para formar a sua própria ideia. Com certeza você vai tender a um lado e criticar outro. Essa tendência e crítica é o desfecho do seu texto.

A introdução será mais ou menos assim:
"Existem dois pensamentos importantes sobre o blá-blá-blá". Uma vertente defende que blá-blá-blá é bom para o Brasil", e outros estudiosos defendem que isso pode ter sérios efeitos colaterais sociais".

O desenvolvimento poderá ser escrito em dois parágrafos, cada um explicando um pensamento ou comparando um pensamento com outro. Por exemplo:
"A vertente que defende o blá-blá-blá na sociedade brasileira afirma que em outros países o sistema já é vivenciado há décadas e tem tido ótimos resultados, como um crescimento no desenvolvimento social.
Os estudiosos que não aceitam a implantação desse sistema afirmam ser o blá-blá-bla algo que só teve bons resultados porque nos países onde é exercido não há a corrupção e a falta de educação como no Brasil."

A conclusão é sua opinião sobre o que você concorda: ou você é contra ou é a favor, baseando seus argumentos no texto que você achou mais de acordo com suas ideias.

Não sabe como concluir um texto?
Treine sua conclusão por este ângulo: não há apenas um comportamento ou uma única reação a respeito de tudo. Hoje em dia tudo é questionável e quase tudo já foi questionado.
Sempre alguém tem uma justificativa para algo, ou contesta uma justificativa. Sempre alguém é a favor o contra determinada situação. Até mesmo você pode ter uma justificativa para defender algo que outras pessoas não defendem.
Assim, leia, de preferência, duas opiniões opostas a respeito do seu assunto, para conhecer os dois lados, os "prós" e os "contras". Você, com certeza, vai tender a um lado. Essa tendência é a sua conclusão. Escreva-a.
OBS.: Esta não é a única maneira de concluir um texto, é apenas UMA DELAS. Mas, como treino, serve a dica.

Coerência, conectivos, termos de ligação e coesão
1. Coerência é um conjunto de informações que confirmam, negam ou esclarecem um argumento. A coerência deixa seu texto com sentido, o leitor entende o que leu. Sem coerência, seus textos não passam de um amontoado de palavras jogadas no papel, ou na tela do computador. O problema é que, na cabeça de alguns autores de redações, o texto já  esclareceu tudo o que se pensou. Não há preocupação em se dar detalhes nem encadeamento, pois se pensa que o leitor vai entender o que se passa na mente de quem escreveu.

2. Conectivos são as conjunções (e, nem, não só… mas também, não só… como também, porém, mas, etc.). 

3. "Frases de ligação" foi um termo que eu mesmo criei para entender mais fácil algumas passagens entre um pensamento e outro. Você não vai encontrar esse termo nos livros de gramática. São as frases que servem como "ponte" entre as informações. Elas se juntam ao conectivo para evitar aquela sensação de, no meio de uma leitura fluída, aparecer uma informação na qual você parece esbarrar em um muro e pergunta "onde e por que isso entrou na história?". Ou seja, as frases de ligação servem para fundamentar a informação seguinte e que esta não apareça de forma inesperada. Elas dão sentido e ritmo ao texto, para o leitor entender que uma informação complementa a outra de forma esclarecedora, fazendo o texto parecer deslizar diante dos seus olhos, de modo a ser bem entendido, ou seja, o texto fica coerente.

Veja este exemplo:
a) Sem conectivos e frases de ligação (quando o autor pensa que o leitor já sabe de tudo):
"Os economistas afirmam que os administradores do dinheiro público estão fazendo um mal serviço. Isso é consequência dos anteriores."

b) Com conectivos e frase de ligação:
"Os economistas afirmam que os administradores do dinheiro público estão fazendo um mal serviço, mas (conectivo), a pesquisa do estudioso político Fulano de Tal mostra que (frase de ligação), essa má administração é apenas uma consequência das anteriores, que já desviavam as verbas (esta última frase explica e dá reforço à informação).

Obs.: Às vezes, é necessário que uma frase de ligação seja maior que sua informação principal, para dar coerência e coesão ao texto.

4. Coesão é o uso gramatical correto entre as informações, os conectivos e termos de ligação.  As palavras são combinadas ou modificadas para que as pessoas possam se comunicar com facilidade e precisão.

Agora veja essa análise de um texto simples, que pode ser enxertado de informações importantes, sem usar a famosa “encheção” de linguiça:

O texto com frases soltas sem conectivos e frases de ligação:

Título: Problemas econômicos na Amazônia

Introdução: A Amazônia é sempre evidenciada mundialmente quando se fala em desmatamento. As enchentes e as vazantes causam muitos problemas. O quilo da farinha custa oito reais.

Análise sobre o título e a introdução:
a) O título não delimita um único problema, então, pode haver mais de um descrito durante o texto.
b) Um avaliador exigente iria perguntar: o que tem a ver o desmatamento com as cheias e vazantes? E que conclusão é essa com a farinha?
Na mente do autor talvez as informações já estejam interligadas e completas, as coisas já estão relacionadas, ele sabe que suas frases soltas fazem sentido (para ele), porque já conhece toda a situação. Mas, traduzir essas informações em um texto requer conectivos para esclarecer, para haver coerência.

c) Veja agora o texto com as informações necessárias para se tornar mais rico e compreensível (conectivos entre parênteses e frases de ligação entre colchetes):
                      
                                        Problemas econômicos na Amazônia

A Amazônia é sempre evidenciada mundialmente quando se fala em desmatamento, [geralmente associado aos lucros das empresas, que deixam a maioria da população em condições econômicas desfavoráveis]. (Porém), [as consequências do desmatamento não são o único problema econômico enfrentado pelos moradores da região] as enchentes e as vazantes causam muitos problemas, são fenômenos naturais preocupantes que acarretam consequências tão agravantes quanto o desmatamento, (pois) influenciam dramaticamente no bolso do consumidor. Na época da cheia, (por exemplo) [grande parte da produção de farinha, alimento dos mais abundantes, se perde, e] o quilo da farinha chega a custar oito reais. Esse preço é considerado um absurdo pelos moradores da região".

Analisando o texto
Primeira informação:
"A Amazônia é sempre evidenciada mundialmente quando se fala em desmatamento."
Desenvolvemos a primeira informação com explicações que mais adiante vão culminar nas enchentes e vazantes. Para isso, veja a primeira frase de ligação: “geralmente associado aos lucros das empresas, que deixam a maioria da população em condições econômicas desfavoráveis”, e a frase "Porém (conectivo) as consequências do desmatamento não são o único problema econômico enfrentado pelos moradores da região".

Segunda informação:
"As enchentes e as vazantes são fenômenos naturais preocupantes."
Frase de ligação que relaciona as enchentes e vazantes ao desmatamento:
"que acarretam consequências tão agravantes quanto o desmatamento",
Frase de ligação entre a segunda informação e a conclusão:
"pois influenciam dramaticamente no bolso do consumidor."

A conclusão, que não foge ao tema da economia, é o exemplo do aumento do preço da farinha, cuja produção é prejudicada pela enchente (viu como uma ideia se liga à outra?):
"Na época da cheia, por exemplo, grande parte da produção de farinha, alimento dos mais abundantes, se perde, e o quilo da farinha chega a custar oito reais. Esse preço é considerado um absurdo pelos moradores da região".
Vejam como ficou o esquema:
DESMATAMENTO => AFETA ECONOMIA => ALÉM DO DESMATAMENTO, A CHEIA E VAZANTE TAMBÉM AFETAM A ECONOMIA => CONCLUSÃO: PREJUÍZO DA PRODUÇÃO E AUMENTO DE PREÇOS DE ALIMENTOS.

Boa sorte.
Professor Eduardo de Castro Gomes

7 de out. de 2014

Por que se escreve tão mal?

Os erros nas redações são aqui analisados sob a ótica de quatro autores: Marcos Bagno, para o qual há mitos sobre os conceitos da gramática; Luis Carlos Cagliari, que exemplifica reações de alunos de classes sociais distintas, cuja vivência com a leitura e escrita são diferentes; Mário Osório Marques, que afirma haver ritos tradicionais como dogmas, e não como instruções, no ensino da redação; e Lúcia Santaella, questionadora dos limites de classificação dos tipos textuais em relação às inúmeras possibilidades de atualização da linguagem verbal.

Palavras-chave: aprendizagem, ensino, redação.

Introdução
Este trabalho iniciou a partir de duas observações sem nenhuma pretensão acadêmica. A primeira se refere a sites com notícias sobre educação e a segunda, a comentários feitos no talk show “Programa do Jô”, exibido pela Rede Globo de Televisão. Em certos momentos, geralmente época de concursos de vestibular, tais sites e o apresentador global Jô Soares expõem frases de redações consideradas maus exemplos de textos. Em ambos os casos, o objetivo parece ser o de apenas divertir o leitor ou telespectador. Tais publicações online, igualmente ao talk show, atribuem mais conotação hilária ao assunto, do que o valorizam como uma manifestação da realidade em que se encontram os alunos do ensino médio quanto ao domínio não só da redação dos próprios textos, como em relação aos temas sobre os quais deveriam escrever.
A metamorfose da despretensão para o científico iniciou quando se percebeu que a maioria dos comentários não apresentava uma proposta de estudo sobre as causas das dificuldades nas composições dos textos. Consideramos aqui que esses estudantes não devem ser apenas qualificados como sujeitos ignorantes da forma culta da escrita. Um dos riscos dessa conotação é sugerir que as frases não teriam outra finalidade senão a de denunciantes da ignorância de seus autores.
Os exemplos compilados das redações de vestibular, mais do que uma exposição do pândego, se constituem em expressão de uma parcela estudantil que, de alguma forma e em algum momento, foi submetida a uma situação crítica na própria aprendizagem ao longo de toda uma vida escolar. Assim, pretende-se neste artigo discutir sobre a questão.

Os mitos e os ritos por trás das letras

"Por que os alunos vão tão mal na redação? Eis um belo mote para dissertação, com ingredientes de sobra para um debate acalorado. Por muito tempo, porém, em vez de procurar argumentos, defender pontos de vista e buscar soluções, muita gente preferiu fugir do tema."

(Hélio Consolaro)

Instigados pela interrogativa da epígrafe, observamos neste momento o tratamento dado ao ensino da gramática e da redação. Esses fatores foram definidos a partir de um comentário do consultor do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) Reginaldo Pinto de Carvalho, na entrevista intitulada “Tem uma redação no meio do caminho”, publicada no portal “Por Trás das Letras”, concedida a Hélio Consolaro, e da qual foi destacada a citação.
Sobre a questão “por que os alunos vão tão mal na redação?”, o próprio texto inicial da entrevista sugere que pelo menos algumas perguntas girariam em torno do despreparo dos alunos e da falta de interesse em se discutir esse problema. Porém, o texto publicado no portal não mostra nem afirma que a pergunta foi feita ao consultor do Enem e, portanto, não há uma resposta sobre o tema.
Entretanto, um comentário do consultor sugere suficientes desdobramentos a respeito do tema desta pesquisa. Na opinião dele, a exigência da redação nas provas do Enem e nos vestibulares, “poderá fazer com que a sociedade exerça pressão sobre a escola para que ela cumpra sua obrigação de dotar os alunos das competências para produzir um texto coerente" (4º parágrafo do texto de abertura da entrevista).
Dessa opinião pode se abstrair que as dificuldades de aprendizagem da escrita não tem sido exclusivamente um problema dos alunos. Talvez o fato de a escola não estar cumprindo corretamente sua função de ensino da Língua Portuguesa esteja contribuindo com essa situação. Isso não significa absolutamente que bastaria um maior empenho por parte das instituições escolares na aplicação de exercícios de redação para resolver o problema. Existem outras questões a serem evidenciadas, como o próprio ensino e a capacitação e atualização dos professores.

Essas duas questões levam à reflexão sobre como a gramática tem sido ensinada ao longo dos anos e o que precisaria ser repensado nesse ensino. Os processos históricos de sistematização da língua falada reduziram-na aos signos da escrita, através dos vários alfabetos dos vários idiomas, visando uma construção correta e simples, de fácil compreensão do elemento escrito, que guardasse as informações com fidedignidade. Na língua portuguesa tal processo redundou, no entanto, em um sem-número de regras gramaticais. Criadas para facilitar os processos de registro da língua falada, tornaram-se complexas, dificilmente aprendidas pelo aluno e até mesmo por muitos professores.
Poucos autores tratam do assunto com um senso crítico aguçado que aponte caminhos na busca de soluções. A maioria sempre mostra sugestões de como fazer uma redação seguindo as mesmas regras da gramática ou usando recursos auxiliares que apenas reforçam técnicas repetitivas, como “se ater a um tema delimitado”, “ter um bom dicionário”, “uma boa gramática”, “não usar gírias”, “não usar vícios de linguagem” etc. A reportagem “Redação: o eterno bicho-papão do vestibular”, de Werciley Silva, confronta a repetição das sugestões para uma boa redação e a continuidade de textos mal estruturados:

"São Paulo - A fórmula parece bem simples: leia com atenção o tema proposto, apresente argumentos convincentes, não use vocabulário rebuscado, evite clichês e preocupe-se com ortografia e pontuação.
Seguindo essas dicas, é possível fazer uma redação nota 10 nos principais vestibulares do País, garantem os professores. Mas se a receita é mesmo tão fácil, por que eles passam anos tentando fazer seus alunos escreverem melhor e, ainda assim, a redação continua a ser o bicho-papão do vestibular?" (SILVA, 2005).

Na reportagem da qual foi extraída a citação não se anuncia que em algum momento houve bons resultados por se seguir os conselhos para se fazer uma prova aceitável dentro dos parâmetros da norma culta. Porém, vários professores se manifestam quanto a situação do vestibulando sob a pressão do exíguo tempo-limite para discorrer sobre um tema sugerido na hora da prova do vestibular.
De fato, não se pode extrair um texto primoroso em somente quatro horas de prova de redação, se o preparo do vestibulando foi crítico durante toda a vida escolar. Segundo Reginaldo Pinto de Carvalho, “com um mínimo de onze anos de escolaridade, ao término do ensino básico, espera-se que o participante esteja capacitado para ler e escrever, dominando a norma culta da língua escrita” (CONSOLARO, s.d.). Ou seja, teoricamente, os alunos concludentes do ensino médio já teriam estudado mais de uma década, o suficiente para dominar a escrita. Porém, se constata diante de uma prova de redação que esses onze anos não foram nada produtivos.

Mitos da gramáticaNa busca de uma norma culta revisada, Marcos Bagno defende a urgente discussão de uma mudança. Tal discussão diz respeito aos mitos que envolvem a linguística e que se tornaram fator de discriminação entre os que “conhecem a norma culta” e os que “não conhecem”. Essa visão do autor sobre o domínio da gramática tradicional tem gerado polêmica. Para Bagno, as dificuldades não estão apenas no ensino ou na aprendizagem. Antes de tudo, os conceitos vigentes da gramática carecem de uma revisão urgente. O linguista afirma no discurso “Preconceito contra a linguística e os linguistas”

"A gramática tradicional, funcionando como uma ideologia linguística, foi e ainda é, como toda ideologia, o lugar das certezas, uma doutrina sólida e compacta, com resposta única e correta para todas as dúvidas. Por isso, o que não está na gramática é "erro" ou simplesmente "não é português"! A Linguística moderna, ao encarar a língua como um objeto passível de ser analisado e interpretado segundo métodos e critérios semelhantes aos das ciências naturais, devolveu à língua seu lugar de fato social, abalando as noções antigas que viam a língua como um valor ideológico. Assim, a Linguística, como toda ciência, é o lugar das surpresas, das descobertas, do novo.
Ora, o novo assusta, o novo subverte as certezas, compromete as estruturas de poder e dominação há muito vigentes. Não é por acaso que, mesmo entre profissionais que deveriam ter a Linguística como seu corpo teórico e prático de referência, a doutrina gramatical tradicional ainda encontre muito apoio e defesa" (BAGNO, 2001).

O autor não se considera um defensor do “vale-tudo” (expressão do próprio) na língua portuguesa falada no Brasil. Para o linguista, “não se trata de negar a existência das formas padronizadas tradicionais, mas de descrevê-las com honestidade, mostrando sua obsolescência e o lugar restrito que cabe a elas na língua, enquanto não desaparecem de vez...” (BAGNO, 2003, p. 176). Bagno é incisivo ao afirmar que “o ensino da gramática [...] não acompanha os progressos da ciência da linguagem” (2003, p. 66). Para exemplificar essa afirmação, ele comenta:

"Qualquer pessoa bem informada acharia no mínimo estranho [...] se um professor de Ciências dissesse que a Terra é plana e o Sol gira em torno dela, ou ainda se um professor de Química afirmasse que a mistura dos
"quatro elementos" (ar, água, terra e fogo) pode resultar em ouro! São idéias mais do que ultrapassadas e que começaram a ser substituídas por novas concepções mais verossímeis a partir do período da história do conhecimento ocidental conhecido como o nascimento da ciência moderna (século XVI em diante). Ninguém se espanta, porém, quando um professor de língua ensina que os substantivos são "palavras que representam os seres em geral", ou que sujeito é "o ser do qual se diz alguma coisa", ou que pronome é "a palavra que substitui o nome". São afirmações tão imprecisas e incoerentes (para não dizer francamente falsas) quanto a de que as avestruzes enterram a cabeça na areia ou que apontar para as estrelas faz nascer verruga nos dedos! E no entanto elas continuam sendo estampadas nos manuais de gramática, nos livros didáticos, nas apostilas, e cobradas em testes, exames e provas de vestibular!" (BAGNO, 2001).

De acordo com a citação, as mudanças no ensino requerem antes a necessidade urgente de revisões históricas nos conceitos dos elementos da gramática. Essas revisões implicam averiguar o que é normativo no português e o que caiu em desuso, pois, segundo o autor, muitas normas consideradas “cultas” no Brasil ainda se atêm a uma ortodoxia da língua que não admite olhares científicos para verificação de possíveis ajustes ao contexto atual.
O linguista fala, por exemplo sobre a crase histórica, um fenômeno que
aconteceu no passado, mas que continua acontecendo hoje, como no caso de alcoólico e caatinga, pronunciados “alcólico” e “catinga” (2003, p. 68). No entanto, o ensino da crase limita-se ao caso da contração da preposição ‘a’ com o artigo ‘a’, como se este fosse o único exemplo existente. Uma iniciativa de se ensinar esse conceito poderia causar uma revolução no ensino da crase, e do acento grave.
Bagno também afirma existirem mitos sobre a língua portuguesa falada no Brasil que precisam ser investigados mais seriamente, antes de se considerar o certo e o errado no ensino da língua. Lançando mão de assertivas críticas sobre os gramáticos tradicionais, considera-os um grupo elitista a impor suas regras da língua como definitivas, não deixando abertura às reflexões sobre os fatores que influenciam os casos de mudança na língua e a aprendizagem deficiente desta.
Essa postura dos gramáticos, para Bagno, causa um preconceito contra o cidadãoque por condições diversas não apreendeu essas regras. Em “Preconceito lingüístico: o que é, como se faz” (2004), o autor enumera oito mitos geradores de preconceitos linguísticos a respeito dos quais:

"[...] é preciso que cada professor de língua assuma uma posição de
cientista e investigador, de produtor de seu próprio conhecimento lingüístico teórico e prático, e abandone a velha atitude repetidora e reprodutora de uma doutrina gramatical e incoerente" (BAGNO, 2004).

Dos mitos de Bagno, cita-se aqui o sétimo, “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”, sobre o qual o autor afirma:

"É difícil encontrar alguém que não concorde com a declaração acima. Ela vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em muitos compêndios gramaticais [...]
Por que aquela declaração é um mito? Porque, como nos diz Mário Perini em Sofrendo a gramática (p. 50), “não existe um grão de evidência em favor disso; toda evidência disponível é em contrário”. Afinal, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está longe de ser verdade), e os bons escritores seriam especialistas em gramática" (BAGNO, 2004, p.62).

O enunciado da última frase da citação pode ser elucidado em forma de pergunta: quantos gramáticos já escreveram um romance e quantos grandes escritores já publicaram um livro sobre a gramática? O livro “A língua de Eulália” (BAGNO, 2005) também exemplifica de modo extenso o mito número 4 do preconceito linguístico: “as pessoas sem instrução falam tudo errado” (BAGNO, 2004, p. 40). Para explicar esta afirmação como um mito, Bagno recorre ao que chama de fenômeno fonético ocorrido ao longo da evolução da língua portuguesa padrão, como aconteceu com as palavras “brando”, “cravo” e “obrigar”, dos originais em latim “blandu”, “clavu” e “obligare”. Bagno lista outras nove palavras que sofreram o fenômeno fonético na letra “l”e afirma:

"Como é fácil notar, todas as palavras do português-padrão listadas acima tinham, na sua origem, um L bem nítido que se transformou em R. E agora? Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema [...]. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é “craro”, seria no mínimo absurdo" (BAGNO, 2004, p. 41).

(continua)
O acento grave

Um conselho para quem não sabe quando usar o acento grave, que indica a ocorrência da crase: na dúvida, não coloque nada. A crase ocorre menos do que se pensa. E fica mais fácil e discreto disfarçar o acento grave com caneta preta "escrita fina" depois, do que apagar com corretivo, que só vai estragar seu texto com uma mancha translúcida denunciando que você não sabia a regra e pôs esse "acentozinho" enxerido, que ainda vai dar pra ser visto por baixo daquela marca cinza de error-ex.
Ah, e nunca, NUNCA, N-U-N-C-A convide o acento grave para aparecer entre os dias da semana (de domingo a segunda, ou quaisquer outros dias), ou entre os meses (de janeiro a dezembro, nem entre nenhum dos outros meses), porque hóspede depois de três dias enche o saco. Convide-o no máximo para aparecer ANTES de um horário específico: apareça às 15 horas. Depois do horário específico, nem o mencione, que ele já vai tarde: suma após as 15:30.

2 de jul. de 2012

Motivação na pesquisa acadêmica: uma opção metodológica

Márcia Daniella Souza dos Santos 
Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCCOM) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pesquisadora bolsista do Centro de Educação a Distância (CED) da Ufam.


Artigo publicado na revista Dialogica volume 1 número 6, da Faculdade de Educação da Ufam.

Este trabalho se propõe a discutir a importância da motivação no processo de pesquisa. A proposta é baseada nas ideias de autores que defendem a relevância de elementos como a subjetividade e a emoção do pesquisador durante as etapas da pesquisa. O artigo está dividido em três partes. Na primeira é abordado o conceito de Metodologia da Pesquisa. Em seguida, são analisados os conceitos de motivação, com auxílio de teóricos da área de Psicologia. Na parte final do artigo, são unidas as duas vertentes já abordadas e a motivação é apresentada como elemento fundamental para que o pesquisador realize e conclua seu projeto de pesquisa, não apenas seguindo as exigências metodológicas, mas também o tratando como uma tarefa prazerosa e compensadora.



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Veja no Conteúdos Educacionais excelentes conteúdos para inovar na educação

Suas apresentações mais dinâmicas e criativas
Usar apresentações de slides em aula é uma maneira eficiente para orientar a exposição oral e introduzir ilustrações e imagens que deixem os conteúdos mais claros para os alunos. E agora, um novo recurso pode deixar suas apresentações mais interessantes ainda: o plug-in pptPlex para o programa PowerPoint 2007.
Um plug-in é um programa que traz novos recursos ao programa original e trabalha em conjunto com ele, ampliando sua funcionalidade. O plug-in pptPlex foi desenvolvido pela equipe do Office Labs, que tem como missão experimentar novas idéias e conceitos, além de protótipos para incrementar os produtos da Microsoft. 


Sobre objetos de aprendizagem:
http://www-usr.inf.ufsm.br/~rose/curso3/cofre/atividades.htm 
http://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/sala_de_aula_objaprendizagem.asp
http://rived.mec.gov.br/site_objeto_lis.php
http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/
http://www.dicas-l.com.br/educacao_tecnologia/educacao_tecnologia_20070423.php
http://especializacaotecnologiasemeducacao.blogspot.com/2007/08/objetos-de-aprendizagem.html 

21 de jun. de 2012

Onde EaD é realmente um desafio


Cheguei recentemente de uma das viagens mais desafiadoras que já fiz.

Este relato é um dos mais emocionantes da minha vida profissional. Com direito a tempestade amazônica.  Espero que gostem e conheçam como se faz Educação a Distância, onde "distância" é um substantivo bem experimentado. Mas, não vou falar nada de projetos educacionais, ações, técnicas, tecnologia aplicada à educação, nem inovações em Educação a Distância. Sinto muito se você veio aqui para saber sobre isso. Vou falar de sentimentos.

"Negósseguinte":
Fui escalado para compor uma banca examinadora de Trabalho de Conclusão de Curso em um município do Amazonas, chamado Maués. É uma cidade muito pequena, mas muito famosa no Estado por ser chamada "a terra do guaraná". Fica quase nos limites do Pará, distante de Manaus 268 km em linha reta e 356 km por via fluvial.

As praias são lindas, mas fui na época da enchente, quando as praias ficam totalmente sob as águas, o que de forma nenhuma tira a beleza da orla fluvial. Veja fotos das praias da cidade neste link: http://oeldoradoeaqui.blogspot.com.br/2010/08/maues.html

No entanto, Maués também sofre com a violência (há muitos casos de drogas na cidade), com a falta de infraestrutura melhor (pouquíssimos hotéis de boa categoria, para uma cidade turística), e com urbanização ainda muito, mas muuuito precária.


A ida foi rápida, para as "superlatividades" amazônicas: quatro horas de carro até Itacoatiara (aquela cidade do meu texto "Isso é passeio?") e, daí, mais quatro horas e meia em uma lancha chamada "expresso", bem mais veloz que os barcos que fazem os trajetos nas cidades do Amazonas. Um total de oito horas e meia viajando, aqui onde moro, é pouquíssimo tempo.

Mas o que quero destacar é o empenho de um aluno que, sendo de Maués, mas em tratamento quimioterápico em Manaus, fez um esforço hercúleo para estar lá, na prova presencial e na defesa do TCC. Quem não é do Amazonas não tem a "micromínima" noção do que é se deslocar entre as cidades por aqui, muito menos em uma situação daquelas.

A esposa dele, também componente da equipe de TCC, foi aos prantos com os elogios que receberam da banca examinadora, talvez por ver tanto esforço recompensado, em uma situação das piores possíveis. E olha que os elogios não foram pela situação que enfrentavam, nem tocamos no assunto. O trabalho deles estava bom mesmo. A banca recomendou a publicação.

Isso me fez meditar mais sobre as desculpas que damos quando não queremos ou achamos que não podemos fazer alguma coisa. Estou com uma gripinha agora que está querendo me desanimar. Acho que tenho que aprender muito com aquele moço. O olhar dele me causava alguma coisa, queria me dar uma lição.

Então, me reportei há uns quase vinte anos, quando fui a outro município, bem mais longe de Manaus, em literalmente do outro lado do Estado (sabiam que cabe o Nordeste inteirinho dentro do Amazonas?) chamado Benjamin Constant. Fui fazer cobertura jornalística de uma formatura da Universidade Federal do Amazonas e me pediram para fazer uma entrevista com uma moça que durante todo o curso, uns quatro anos, ia e voltava de Benjamin ao município onde morava, com sua filhinha de menos de um ano nos braços.

O que há de especial nisso? Ela ia e vinha de canoa, mais de sete horas de viagem todos os dias, com um bebê no colo, em rios perigosos, por necessidade de vencer na vida. Vou parar por aqui, se não, vou às lágrimas.

Voltando à minha aventura em Maués, também fiquei triste por ver que as cidades do interior são tão contrastantes com Manaus, a sexta economia do Brasil. Muita pobreza, poucos recursos, e os que existem, servindo a poucos donos de grandes empresas.

Depois de dois dias de trabalho intenso pelas madrugadas adentro lendo TCCs, fiz um pequeno passeio, dei uns mergulhos no rio e esperei a hora de voltar. Embarcamos e vimos Maués distanciar e desaparecer nas margens do rio Maués-Açu.

Eram 5 da tarde. Trinta minutos depois, o sol já escondido por trás das árvores, uma parte do céu fica azul, e outra parte completamente sombria. Uma gigantesca alaranjada nuvem (diria "terabaite" nuvem) de tempestade se formou. Era uma mistura de admiração e medo. Eu nunca tinha visto uma nuvem daquelas, parecia uma pintura gigante.

 O Céu a  bombordo

e aqui, o céu a estibordo

A tempestade caiu e tivemos que navegar bem devagar. Meu companheiro de banca, com um GPS, dava todas as coordenadas de nossa viagem. Felizmente, durou menos de uma hora quele aguaceiro.

A noite seguiu estrelada, mas muito escura, com várias luzes de casas dos ribeirinhos. Sinceramente, eu não sei o que faz uma pessoa construir uma casinha em um lugar daqueles, naquele meião de rio e floresta, onde para se ir ao vizinho tem de ser de canoa ou barco. O curioso eram os postes de luz que surgiam da água, levando o "Luz para todos". Aqui, acolá, há uma casinha dentro d'água com sua lâmpada acesa. Pelo menos, diminuía a sensação de solidão naquele breu.

Bom, a viagem foi tranquila, tanto que, quando cheguei em Manaus, já estava desacostumado com a correria da capital. Na próxima semana estarei em Florianópolis, em um evento de Educação a Distância. Tive um artigo aprovado para apresentar lá. O título do evento: “Desafios para o futuro da EaD”. O título do meu artigo: "Uma viagem onde EaD é realmente um desafio".

Depois desta viagem, acho que tenho conteúdo para falar. Mas, na realidade, me recolho na minha insignificância: percebi que quem deveria estar em Floripa, falando de desafios, não era eu, era aquele rapaz da quimioterapia.

18 de mai. de 2012

Língua enrolada

Ah, as peculiaridades da nossa língua. Acho tão legal algumas coisas nela que resolvi comentar. Os enganos, singularidades e regras que ninguém sabe são meu cardápio neste texto.

Primeiro, os enganos. Tenho percebido que muita gente emprega a palavra "luxúria" no sentido de nababesco, de gente que só pensa em viver e exibir uma vida luxuosa e não se importa com a miséria do mundo. Aliás, é feia a palavra e o sentido pejorativo de nababesco, mas gosto desta palavra, rsrs.

O verdadeiro significado de luxúria não tem nada a ver com luxo. É a atração pelos prazeres carnais, lascívia, sensualidade. Ou seja, o pecado da luxúria não está relacionado a riquezas, mas ao sexo promíscuo.

Segundo engano: a palavra "pródigo". A parábola do filho pródigo deixou uma confusão de sentidos, e hoje muita gente pensa que é o filho que vai embora de casa. Pródigo significa esbanjador, que gasta mais do que pode, que gasta irresponsavelmente. Mas a fama de filho "abandonador" (este termo é meu) foi tão grande que pródigo acabou virando sinônimo de "desnaturado".

Agora, as singularidades. Na realidade, uma palavra plural que é singular: "quaisquer". Digam-me se existe outra palavra com o "s" do plural bem no meio. Veja bem: o plural de "qualquer" não é "qualqueres", é "quaisquer", o "s" divide a palavra bem no meio.

Palavras que só falamos no plural há aos montes: óculos, cócegas, parabéns, férias. mas, "quaisquer", desafio a quaisquer uns de vocês a me encontrar outra igual a ela.

Outra singularidade: é possível se escrever um texto perfeitamente compreensìvel apenas com palavras que comecem com a letra "P". Veja este blog e comprove: http://escl79.blogspot.com/2009/05/singularidades-da-lingua-portuguesa.html

Agora, as regras. Ou melhor, a falta delas. Há coisas na língua portuguesa que usamos muito bem sem precisar das regras, porque, quando vamos tentar entendê-las, vai dar é um nó na cabeça e a gente pode acabar desaprendendo. Uma das coisas que mais me encuca: eu sei usar "está" e "estar" mas eu não sei explicar a regra, tenho é preguiça, porque pra mim é uma chatice: tente trocar o infinitivo é blá-blá-blá... A forma flexionada blá-blá-blá. Taí uma coisa que aprendi sem entender a regra, e me fez muito bem. Esta, literalmente, foi uma exceção à REGRA. Falar em exceção, pra quê tanta letra para um fonema só?

A maldição do Gerúndio

Sabe aquela coisa que depois de feita, parece não lhe largar?
Alguns dias atrás postei sobre o que eu achava do gerúndio (se quiser, leia aqui: O gerúndio está sangrando). Escrevi que não lembrava de ter ouvido muito as pessoas falarem "vou estar ...ndo", porque eu não ouvia mesmo.

E continuo dizendo: se eu estou dizendo, eu estou dizendo, e, não, "a dizer". Mas, também escrevi que eu prefiro "eu vou estudar", a "eu vou estar estudando". Claro, eu não sou tããão "desgramaticado" assim.

Bom, não sei se foi castigo, mas, de lá pra cá a maldição do Gerúndio me persegue. Quase todo dia agora eu ouço um "estar ...ndo". Agora mesmo, ao telefone, falando com uma atendente da Net, ela me disparou dois "...ndos":

"Vou estar enviando"

e

"O Sr. pode estar confirmando".

Uns dois dias aí, uma atendente de uma universidade me falou outro "estar confirmando", e houve mais uns dois "estar alguma coisa ando", que eu não lembro muito bem...

Acho que nessa sexta-feira vou estar passando na sessão do descarrego!

Já fomos mais inteligentes

Foi o comentário do Carlos Nascimento no Jornal do SBT (clique e veja a matéria) sobre a enxurrada da mídia no tal caso de estupro no BBB, e sobre a Luiza que já voltou do Canadá (país que eu acho um exemplo).

Sem eu ter visto a matéria do Jornal do SBT, postei um comentário no Facebook exatamente a respeito dos dois casos. Disse que, talvez, se o cara do BBB e a Luiza falassem do que fizeram a Cidinha Campos, o Dom Manoel Edmilson da Cruz e a Amanda Gurgel, que não estão no Canadá, estes três conseguiriam ver seus atos surtindo efeito na nação. Pra mim, eles sim, são as celebridades a serem amplamente exploradas pela mídia. Leiam meu texto "retrospectiva 2011", pra ver o que eles fizeram.

O problema é que o povo dá mais ênfase a um texto inócuo de comercial e a um treco do BBB. Muita gente gostaria de ver repercutir até dar resultado no país a coragem do que esses três fizeram, eu sei, mas o que eles fizeram não tem a mesma "graça" da Luiza nem do BBB, não são interessantes para a mídia. Já pensaram se o povo todo se movimentasse num: "Cria vergonha, Brasil", como se movimenta nessas futilidades? A maioria do povo realmente é alienada, ou será que fiquei muito chato?


11 de mai. de 2012

Haitianos:
sobrevivência não escolhe emprego

Considero que estou vivenciando um momento histórico-social-humanitário na minha cidade. Um fenômeno de imigração que mudou a paisagem humana (se é que existe esse termo) na minha vizinhança: cerca de cinco mil haitianos estão em Manaus. E cada vez chegam mais.

Eles são sobreviventes de um país destruído por um terremoto de dimensões das catástrofes Holywoodianas. Chegam e são acolhidos por uma igreja católica, responsável por "gerenciar" a vida deles por aqui. Parabéns às pessoas da Paróquia de São Geraldo, que estão pondo em prática o que Jesus falou: "fui estrangeiro e me acolheste".

Fico imaginando as imaginações deles. Perderam família, casas, trabalho, escola, tudo. Saíram de uma vida, não sei se boa, mas dramaticamente traumatizada. Fico imaginando, mas contraditoriamente não quero nem pensar o que é viver o que eles viveram por ocasião do terremoto e a expectativa do que a vida vai lhes trazer.

Em Manaus (Foto: Internet)

Lentamente estão conseguindo emprego aqui, já os vemos como frentistas em postos de gasolina, ajudantes de pedreiros, atendentes. Bom é saber que Manaus tem se tornado abrigo, mas algumas coisas me deixam assombrado, quando vejo notícias de desumanidade.

(Foto: Internet)

"Crianças presenciam o estupro de suas mães por coiotes", li em uma manchete na Internet. É de fazer a gente desacreditar no ser humano. Dá vontade de soterrar esses suejitos sob os escombros do Haiti. Só Jesus na minha vida.

E esse não é o único tipo de humilhação sofrida por quem já veio de uma destruição. Dia desses li um comentário sobre os trabalhos que estão sendo conseguidos para os refugiados: "esses haitianos só vieram aqui tomar nossos empregos".

Fiquei indignado, e ao mesmo tempo questionei: se esse cidadão que falou isso mora aqui, não passou por um terremoto, não passou as dificuldades desse povo, e não conseguiu emprego como eles, alguma está errada, e não é com os haitianos.

- É que os haitianos não escolhem empregos - disse a Cleise, minha esposa.


No Haiti (Foto: Internet)


Em Manaus (Foto: Diario do Amazonas - D24AM)

Com certeza. Estou literalmente vendo isso: Quase todos os dias eles estão com suas pastinhas de documentos andando pra lá e pra cá, num reinício de vida. Mas não vejo ninguém da terra fazendo o mesmo.

Enquanto muita gente aqui se queixa de não arranjar um emprego, mas "não aceita qualquer um", aquele povo, que sabe o que é "sofrimento coletivo", está vindo, conseguindo suas carteiras de trabalho e construindo uma nova vida. De qualquer forma, por ser uma cidade que está acolhendo os haitianos, parabéns, Manaus. Esperemos que todos tenhamos uma vida mais digna