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Olá, sou Eduardo de Castro Gomes. Pretendo discutir aqui primordialmente questões sobre redação. Não se trata de um aprofundamento em gramática ou linguística, mas, sim de se abordar temas como a dificuldade e as motivações para escrever, como desenvolver temas, como expor as ideias por escrito, como finalizar um texto, tipos de texto, etc.
Também estão publicadas opiniões e experiências sobre educação, política, sociedade, fé.
Espero que apreciem e que sua visita seja proveitosa.
Obrigado.

19 de set. de 2011

Você ri das frases de vestibular?

"Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por entendê-las" (Spinoza apud Bagno, 2004, p. 5).


Esta é uma opinião sobre a escrita e o sistema educacional. Estive pensando muito (novamente) sobre as redações de vestibular usadas como alvos hilários de sites de humor. Desta vez vasculhei comunidades do Orkut para ver como andavam as observações sobre tais textos. O resultado foi o mesmo do tempo de minha dissertação de mestrado "O ser, o ciberespaço e a produção do texto" feita há cinco anos, ou seja, nada de se verificar as causas de tantas atrocidades, apenas mais reações "gargalhantes" ao pândego.


Nada sobre o que se pode fazer e, sim, sarcasmos direcionados aos vestibulandos. Então descobri que nós, os "cultos", que nos julgamos acima desses "reles" semi-analfabetos, também podemos nos chamar de sádicos pseudo-eruditos, pois sentimos prazer nos erros redacionais dos outros (eu também me incluo nesses, pois também não resisto àquelas tiradas), como se nós mesmos nunca os tivéssemos cometido, e ainda cometemos.


Coincidentemente, recebi em meu e-mail hoje, no momento em que estou redigindo este artigo, o seguinte texto quanto ao uso do termo “presidenta” (no e-mail não há identificação do autor):


"SUA EXCELÊNCIA, A SENHORA 'PRESIDENTA' DILMA
Agora, o Diário Oficial da União adotou o vocábulo presidenta nos atos e despachos iniciais de Dilma Rousseff.
As feministas do governo gostam de presidenta e as conservadoras (maioria) preferem presidente, já adotado por jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão.
Na verdade, a ordem partiu diretamente de Dilma: ela quer ser chamada de Presidenta. E ponto final.
Por oportuno, vou dar conhecimento a vocês de um texto sobre este assunto e que foi enviado pelo leitor Hélio Fontes, de Santa Catarina, intitulado Olha "a" “Vernácula”!
Vejam:
No português existem os particípios ativos como derivativos verbais.
Por exemplo: o particípio ativo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante…
Qual é o particípio ativo do verbo ser? O particípio ativo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade. Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte. Portanto, à pessoa que preside é PRESIDENTE, e não “presidenta”, independentemente do sexo que tenha.
Se diz capela-ardente, e não capela 'ardenta'; se diz estudante, e não 'estudanta'; se diz adolescente, e não 'adolescenta'; se diz paciente, e não 'pacienta'.
Um bom exemplo seria:
'A presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta pensando ser eleganta por ser agora a representanta. Esperamos vê-la sorridenta, numa capela - ardenta, pois esta dirigenta, em atitude barbarizenta, não tem o direito de violentar o português, só para ficar contenta'."
(O texto termina aqui).


Não é minha intenção fazer partidarismo e, sim, mostrar que precisamos ter cuidado ao criticarmos a escrita ou a fala de outro. Vejam que o autor do texto usou a próclise “se diz...” no início de um parágrafo. Mesmo que aceito na linguagem falada ou escrita informal, ainda não se usa próclise na língua culta formal e, mesmo que o autor do texto em citação não estivesse sendo formal, está criticando um uso errado da língua.
Para não ser tão encrenqueiro dizendo que ninguém se manifesta contra esta situação, menciono Marcos Bagno e sua empedernida luta contra a gramática tradicional. Ele afirma termos uma história milenar de atraso no ensino da gramática e da redação que ainda não conseguimos superar... mas ele tenta:


"A gramática tradicional, que vem norteando o ensino da língua há quase dois mil anos, não é uma ciência: é uma doutrina. Como toda doutrina, ela tem seus dogmas, que devem ser aceitos sem contestação e transmitidos intactos às gerações futuras. A nomenclatura gramatical, por exemplo, que usamos até hoje – sujeito, objeto, advérbio, subjuntivo, pretérito, antônimo, preposição, artigo etc. – é a mesma proposta pelos gregos antes de Cristo. O que o ensino gramatical faz, então, é repetir esses mesmos termos, conceitos e definições, sem submetê-los a uma análise profunda" (Bagno, 2003, p. 82-3).


Acrescento Levy às palavras de Bagno: “é certo que a escola é uma instituição que há cinco mil anos se baseia no falar/ditar do mestre, na escrita manuscrita do aluno e, há quatro séculos, em um uso moderado da impressão” (Lévy, 2004, p. 8-9).


A soma das perspectivas desses dois autores traz à vista, se não uma solução, pelo menos uma causa dos problemas da fala e escrita: a cultura do comodismo e a aversão ao novo, à ousadia. E isto em uma época de mudanças “nanométricas” (este é por minha conta) em termos de comunicação. Uma das ousadias seria admitir, conforme Levy, que:


"A luz do espírito brilha mesmo onde se tenta fazer crer que não existe inteligência: “fracasso escolar”, “execução simples”, “subdesenvolvimento” etc. O juízo global de ignorância volta-se contra quem o pronuncia. Se você cometer a fraqueza de pensar que alguém é ignorante, procure em que contexto o que essa pessoa sabe é ouro" (Lévy, 2003, p. 29).


A frase principal desta citação, para mim, é “o juízo global de ignorância volta-se contra quem o pronuncia”, pois, assim como pensamos que nossos alunos não alcançam nosso pensamento, também não sabemos alcançar o deles. Não sabemos, por exemplo, como estimulá-los a gostar de saber escrever. Esse é apenas um dos problemas: não basta saber escrever, tem que se escrever bem e gostar disso, de saber escrever.


Que viciado em games não gosta de jogar? Que garota ou garoto fã de Justin Bie... Beir... Bieb... ãh, daquele menino de franja que canta, não se desespera no show, não gasta toda a mesada com cd's, dvd's, revistas sobre ele? Você conhece algum estudante assim? Já conseguiu fazer um aluno desinteressado se apaixonar pela norma culta da escrita? Acho que nem eu nem você. Não com nosso sistema de ensino.


O texto da presidente e outros me fizeram sentir como se ríssemos mesmo é de nossa própria ignorância. As redações desses candidatos a um curso superior, a suposta insistência da presidente em falar “presidenta”, o costume da próclise no início de frase tão criticado por gramáticos mostram um realidade débil do nosso ensino-aprendizagem. É a nossa realidade também, como educadores que cremos que somos.


Essas redações não são apenas textos mal feitos em papel, elas são os espelhos que refletem o resultado de nosso sistema de educação. Refletem claramente a “fuzarca” do que não conseguimos deixar claro. Paradoxal!


Em tempo, lembro que não tomo partido, mas o termo “presidenta” existe. É o feminino de presidente. Veja no Michaelis, Aurélio e Houaiss. O autor do e-mail, no mínimo, para não pagar mico, deveria se informar, para não ser um “anto”.




Referências
BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
Lévy, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4ª ed. São Paulo, Edições Loyola, 2003.
______. As tecnologias da Inteligência - o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993. 13ª reimpressão, 2004.


Fonte: http://www.webartigos.com/articles/40686/1/Espelho-espelho-meu-existe-redacao-mais-bela-do-que-eu/pagina1.html#ixzz1LPfqZ2r7

12 de mar. de 2011

A escrita na História da humanidade


A escrita na História da humanidade
Eduardo de Castro Gomes

Resumo
O leitor encontrará aqui momentos importantes da escrita na História da humanidade. O texto foi redigido tendo como bases bibliográficas principais Pierre Lévy, José Juvêncio Barbosa e Charles Higounet. Apresenta o relacionamento da escrita com as seguintes áreas do conhecimento humano: ciências e literatura na Mesopotâmia, escritas sagradas do Egito, origens do alfabeto, a escrita e o comércio fenício, a inovação das vogais no alfabeto grego, a formação da língua portuguesa pela dominação romana e a formação da língua portuguesa no Brasil.
Palavras-chave: escrita, história, sociedade.

Introdução
Uma contemplação cuidadosa e criativa sobre o histórico da humanidade e a informação impressa permite deduzir que esta é uma das relações mais estruturadas e antigas entre o homem e um engenho seu. Percebe-se isso ao se considerar que os laços homem-impresso existem desde antes da escrita. E até mesmo antes da comunicação verbal! Uma prova é o fato de que as mais remotas performances protagonizadas pelo homem chegaram até nós principalmente através alguma inscrição: as pinturas rupestres, por um cuidado da natureza, ainda hoje comunicam ao homem – milênios mais tarde – aspectos da vida daqueles ancestrais. Ou seja, na pré-história o ser humano já internalizava a necessidade de registros impressos.
Esses laços foram atados de tal forma na evolução humana, que até pode-se tecer uma analogia entre a história da humanidade e a aprendizagem da escrita de um indivíduo, pois do Paleolítico ao contemporâneo o homem mantém uma relação com as inscrições de forma semelhante à aprendizagem da escrita na infância. Explicando: assim como a criança mantém seus primeiros contatos com os impressos rabiscando, desenhando e reconhecendo figuras, a raça humana em sua fase “criança” (o homem das cavernas) começou a registrar sua história através de desenhos-rabiscos. E um e outro iniciam sua comunicação verbal com sons não identificáveis facilmente.
Assim, na evolução humana, a utilização dos registros impressos, sejam os pictogramas rupestres, sejam os primeiros símbolos literais dos fonemas, tornaram-se indispensáveis às relações sócio-econômico-culturais. Charles Higounet observa uma relação inseparável no triângulo história-escrita-homem:

A escrita faz de tal modo parte da nossa civilização que poderia servir de definição dela própria. A história da humanidade se divide em duas imensas eras: antes e a partir da escrita. (...) Vivemos os séculos da civilização da escrita. Todas as nossas sociedades baseiam-se sobre o escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o contrato escrito substituiu a convenção verbal, a religião escrita se seguiu à tradição lendária. E, sobretudo não existe história que não se funde sobre textos (HIGOUNET, 2003).



O legado das cavernas
Dada a inexistência de organização e padronização nas representações gráficas das pinturas rupestres, estas não são consideradas exatamente escrita, mas criptografias aleatórias que pretendem transmitir sua mensagem, gravadas em um material da natureza. Por isso mesmo, é possível fazer uma analogia entre
aquelas gravuras e a escrita: ambos os casos buscam registrar algo, de alguma forma, para determinado grupo, para aquele momento ou para a posteridade. A antropóloga Cláudia Pires afirma:
Sobre a relação entre a «linguagem simbólica» – expressa através de símbolos abstractos pintados – e a sua intenção, digamos que foi através destas imagens que o homem entendeu que podia fazer passar uma mensagem, um pensamento, o seu estado de espírito, etc.

Estas pinturas demonstram o valor que os homens da pré-história conferiam às suas criações.

Estas pinturas demonstram o valor que os homens da pré-história conferiam às suas criações.
O conjunto destes desenhos-escrita, passíveis de serem compreendidos por todos os membros de um mesmo grupo, tomam a designação de pictogramas. Pertencem, pois, ao conjunto das escritas pictográficas, que no grego significam descrição da imagem, para servir de símbolo. (PIRES, www.revista-temas.com) (negritos nossos).

As semelhanças entre as pinturas paleolíticas e a escrita também estão nos instrumentos e suportes para execução de ambas as técnicas, que trazem a mesma idéia principal, em dois momentos distantes entre si cerca de milhares de anos: um objeto com o qual se vai desenhar ou escrever (utilizando para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à base de tintas vegetais e minerais, e pena, caneta ou lápis) e outro no qual será registrado o assunto pretendido (a rocha ou um papel). Com esses instrumentos, os homens das cavernas foram os primeiros a dispor de um tipo de registro usado até hoje, a ideografia, cujo grande número de símbolos que a compõem permite que seja utilizada e interpretada em qualquer lugar onde seu significado seja correspondente, como os desenhos das placas de trânsito, por exemplo.

Portanto, as figuras rupestres talvez representem o mais remoto exemplo de que um registro impresso adquire preeminência sobre a oralidade, no que diz respeito a uma mensagem escrita permanecer o máximo possível em seu estado representativo original, suportando o tempo e condições naturais do ambiente, e permitindo que gerações milênios mais tarde apreciem e teçam conjecturas sobre uma forma social que não deixou outro vestígio, em vida, de como o homem primitivo se comportava e como observava seu meio ambiente. A arte primitiva é um legado de inscrições em rochas que desafiou o tempo, sobrevivendo há milhares de anos e ainda transmitindo informações sobre uma civilização inexistente, mesmo depois do surgimento da escrita como um marco da História.

Vários começos
A escrita causou uma revolução tão significativa nas comunicações, que os historiadores estabeleceram o encerramento da Pré-História e o nascimento da História no período em que o homem começou a escrever. Mas essa passagem histórica não se deu ao mesmo tempo em todas as partes do nosso planeta.
Somente muitos milênios depois a Pré-História findou na América, na África Central e na Austrália, com a conquista dessas regiões pelos europeus, a partir do século XV. Isso demonstra que por mais de cinco mil anos, a escrita manteve-se na vanguarda como um dos marcos iniciais da História. Segundo Fábio Costa Pedro e Olga M. A. Fonseca Coulon (1989), o fim da Pré-História ocorreu primeiramente no Oriente Próximo, com o surgimento da escrita ligado à evolução das primeiras civilizações urbanas, na região entre os rios Tigres e Eufrates, na Mesopotâmia, cerca de 40 séculos antes da Era Cristã.

Com essa reputação, a escrita adquiriu autonomia e independência, tornando-se objeto de necessidade de domínio mundial. Também transcendeu em fama aos seus inventores e aos que a têm aperfeiçoado no processo contínuo da evolução das civilizações. Conforme José Juvêncio Barbosa, seus criadores são completamente desconhecidos. Ironicamente, não há informações de que seus idealizadores, criadores, nem os grupos especializados que a aprimoraram ao longo da história, deixaram registrados seus nomes em algum objeto, utilizando seu próprio invento. Apesar desse anonimato, Barbosa afirma que a invenção da escrita é um dos fatos responsáveis pelos desenvolvimentos na antiguidade:


Na realidade esta, como muitas “invenções” do gênio humano, pode ser considerada como aprimoramento de algo que já era anteriormente conhecido. Infelizmente não conhecemos o nome de nenhum dos autores das reformas mais importantes na história da escrita. Seus nomes, como o de tantos outros grandes homens, responsáveis por melhorias essenciais da vida humana (como por exemplo o uso prático da roda, do arco e flecha, da embarcação a vela) perderam-se para sempre no anonimato da Antiguidade. (BARBOSA, 1991, p. 34).

Apenas se conhecem épocas, povos e locais de onde se deram os primeiros registros escritos, os chamados cuneiformes, desenvolvidos pelos sumérios na Mesopotâmia, por volta de 4.000 a.C., embora alguns historiadores situem seu aparecimento há mais de seis mil anos. Barbosa (p. 35) afirma que “o primeiro registro que se conhece é uma pequena lápide, encontrada nos alicerces de um templo em Al Ubaid. O construtor do templo escreveu nela o nome do seu rei. Esse rei pertenceu a uma dinastia entre 3150 e 3000 a.C.”. 


“Mil e uma utilidades” históricas
A existência da escrita distingue-se como um marco das formas de
expressão, não apenas por sua capacidade de registrar a História, representar a fala
ou idéias, ser apreendida e decodificada pelo entendimento humano, mas também
por ultrapassar limites geográficos, sobreviver épocas, ajudar a construir ou
desconstruir culturas, universalizar religiões, idéias, pensamentos, sofrer mutações
pelas mais diversas causas, entre elas as transliterações e as traduções, e, ainda
assim, ter a possibilidade de permanecer como originalmente foi produzida.
5
O desenvolvimento dos métodos de agricultura e do comércio, e as
distâncias entre as cidades entre as quais se estabeleciam relações de troca, são
tidos como os responsáveis pelos primeiros registros escritos, ante a necessidade
de controle administrativo, de registros contábeis e de se saber com exatidão onde
se situavam os distantes pontos de abastecimento e quais as rotas a seguir para os
alcançar. Conseqüentemente, se tornou imprescindível o desenvolvimento de
sistemas de pesos e medidas, só possíveis com recurso à matemática, – que implica
também alguma forma de notação gráfica –, e de mapas e cartas.
Assim, a escrita teria sido criada primeiramente para atender a uma
necessidade prática de informação agro-comercial, em vários lugares. Lévy
estabelece paralelos entre o desenvolvimento da agricultura e o da escrita, ambas
como reformuladoras de conceitos de tempo e espaço, e esclarece que o
surgimento da escrita não foi um fato causado por uma única sociedade:


A escrita foi inventada diversas vezes e separadamente nas grandes
civilizações agrícolas da Antigüidade. Reproduz, no domínio da
comunicação, a relação com o tempo e o espaço que a agricultura havia
introduzido na ordem da subsistência alimentar (LÉVY, 1993, p. 87).

(Continua)







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