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Olá, sou Eduardo de Castro Gomes. Pretendo discutir aqui primordialmente questões sobre redação. Não se trata de um aprofundamento em gramática ou linguística, mas, sim de se abordar temas como a dificuldade e as motivações para escrever, como desenvolver temas, como expor as ideias por escrito, como finalizar um texto, tipos de texto, etc.
Também estão publicadas opiniões e experiências sobre educação, política, sociedade, fé.
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Aventuras no Amazonas
Diário de bordo
Rio Amazonas, 25 de outubro de 1996 - sexta-feira
Em 1996 estava concluindo meu curso de jornalismo, com um documentário sobre o estágio de Medicina chamado Internato Rural, no qual alunos iam ao interior levar e trazer conhecimentos médicos.
Eu e a professora Aparecida Morais, do Departamento de Saúde Coletiva, uma das orientadoras do Internato, fomos até Parintins (a cidade do Caprichoso e do Garantido) em um avião bimotor. Lá, encontramos Silvano e Stanley, dois alunos de medicina que estavam concluindo o estágio.
Iríamos até uma vila chamada Caburi, distante de Parintins cerca de quatro horas de barco, e um dos locais onde era realizado o Internato Rural.
Éramos seis: eu, Silvano, Stanley, a professora Aparecida, a dona Graça Muniz, que cuidava da sede da Ufam em Caburi, e Sebastião, piloto da lancha e responsável por articular as atividades do Internato e pelo entrosamento entre os alunos e a comunidade.
Tudo isso, fora as bagagens, a filmadora, o tripé, muita comida para três dias e a coragem, numa canoa de quatro metros de comprimento por um de largura.
Tivemos que atravessar o Rio Amazonas nessa canoa, a "voadeira" (uma canoa de alumínio com motor de popa). Atenção, crianças e adultos, não façam isso em casa. Nem no Rio Amazonas.
Perguntei a dona Graça, acostumada a essas viagens, se o rio era veloz o tempo todo e se ela estava com medo:
- "Medo? Medo eu sempre tenho, mas a gente tem que fazer". Disse ela com os olhos vidrados no banzeiro violento do rio. Banzeiro é o nome que damos às ondas de rio por aqui.
Disseram que depois das quatro da tarde o rio diminuía a correnteza, mas acho que o rio não sabia. As ondas eram violentas. A voadeira às vezes dava saltos de quase um metro. O nível da água chegava a uns cinco centímetros da borda da voadeira. O Amazonas tem mais de 10 quilometros de largura em alguns trechos. E outros rios são perigosos, com redemoinhos.
Foi uma hora para chegar ao outro lado e mais uma costeando a margem até chegar a uma foz de igarapé (um pequeno braço de rio) chamada Boca do Caburi. Daí até a vila de Caburi foram as piores horas.
Eram seis da tarde. Logo no início do igarapé, a tampinha do casco da voadeira foi literalmente por água abaixo. Começou a entrar água na canoa e a única coisa que tínhamos para tirar a água era a tampa da garrafa térmica. Não deu muito resultado.
Sugeriu-se passar a noite na mata, mas a ideia não foi acatada.
Felizmente o igarapé era estreito. Fomos pra margem enquanto o Sebastião procurava a tampinha, mas não a encontrou. Stanley resolveu a situação colocando a camisa no furo do escoamento.
Seguimos com o motor devagar, pois estava na vazante e havia muitos galhos que poderiam bater nas hélices dentro d'água. E foi o que aconteceu, lá pelas sete horas, no meio da escuridão onde a gente só via a lua e as sombras das árvores, o motor bateu em uma árvore dentro do riachinho. Sebastião deu um mergulho para ver se conseguia desencalhar a hélice. Ele conseguiu, mas veio a notícia que temíamos: o motor não poderia funcionar porque havia muitos galhos embaixo d'água. A partir daí, deveria ser na base do remo. Seriam horas adentro de uma selva à noite.
Era uma escuridão só. Os mosquitos começaram a atacar o Stanley, que havia tirado a camisa para fechar o buraco da canoa. Acho que ele se cobriu com alguma coisa que não sei o que era.
Devagar e sempre, de vez em quando um tronco batia no casco e a canoa dava uma balançada. Ficávamos parados o maior tempo possível, para a canoa, lotada de gente e bagagem, não virar. E eu ia segurando a filmadora do laboratório do curso de comunicação, só lembrando da maior recomendação do professor: "cuide dela como se fosse sua vida". De fato, eu segurava mais a filmadora no colo do que me segurava na borda. Aquele professor, além de muito competente, era muito rígido. Numa hora em que a canoa quase virou, eu só conseguia imaginar a cara dele me olhando com a sobrancelha franzida naquela escuridão, mirando a filmadora, que eu segurava no colo como se fosse um bebê.
A canoa encalhou e foram mais uns momentos de espera. Além disso, o cuidado deveria ser dobrado, pois havia risco de arraias e cobras.
De repente, uma sardinha pulou em cima da filmadora, se debatendo e espalhando água. Ai, meu destino. Mas, consegui expulsar o peixe.
Deveríamos chegar a Caburi lá pelas 7 da noite, mas com o motor em marcha lenta, a viagem durou até às oito e meia. Foram horas que pensei não terminariam nunca.
Quando chegamos ao Lago do Caburi, pudemos ver as luzes da vila do outro lado. Moravam umas 300 famílias lá. Como o lago era mais fundo e bem largo, o piloto ligou o motor e fomos mais rápido.
Com o barulho da voadeira, os peixes começaram a pular da água e a cair aos montes dentro do nosso "iate". Era peixe pra tudo que é lado, de dentro e de fora, pulando sobre todo mundo e a gente se desviando pra não levar uma peixada na cara. Azar para alguns deles, que caíram dentro do bote e foram servidos no nosso jantar.
Finalmente, chegamos a Caburi. Oito e meia da noite. A comunidade estava à nossa espera desde as sete. O motor de luz, que é desligado às 22 horas, funcionou até meia-noite, por nossa causa, pois ainda naquela noite deveríamos ter uma reunião no centro comunitário, e todos os representantes da comunidade, e alguns moradores, estavam lá. Além disso, as baterias da filmadora deveriam ser recarregadas.
A reunião seguiu animada, com direito a teatro e música, organizados pelos moradores, para nossa chegada. Não podíamos fazer feio.
Depois fomos para a casa que servia de base à Ufam, jantamos frango e uns peixes suicidas e fomos dormir, no chão, torcendo para que não houvesse morcegos na casa.
No dia seguinte, a mais bela surpresa dessa aventura toda. Era um lindo lago na frente da vila, coisa de veraneio. Se fosse mais perto de Manaus, iria lá sempre. Ruas de barro limpinhas, lugar bem tranquilo.
Foi nesse cenário que começamos a gravar, mas isso fica para a próxima parte do texto.
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Caburi, 26 de outubro de 1996 - sábado
GRA... VANDO!
As gravações para o vídeo começaram logo pela manhã. Tudo o que havia na comunidade deveria ser documentado. Os líderes comunitários ajudaram na iluminação do Centro Social. Deixo agora os agradecemos à Companhia de Energia do Amazonas em Caburi, por permitir que os motores de luz funcionassem além do tempo normal, para nossa estada lá.
Percorremos a agrovila de Caburi, lugar idêntico ao litoral, com pescadores tecendo redes e um lago e uma praia de delirar. A agrovila era limpíssima, até as ruas de chão batido não faziam poeira. Quem diria que no fim daquele igarapé inóspito haveria um lugar agradável daqueles? Eu me imaginava em meu helicóptero todo mês passando um fim de semana lá. Ainda vou ter um helicóptero.
Acompanhamos Silvano e Stanley nas visitas em algumas casas, e Silvano gravou uma entrevista com Dona Nilza, ou dona Nenê, viúva do seu Denizal, fundador da agrovila, mostrando o "laboratório" do lugar: o quintal da casa dela, de onde extrai algumas plantas para remédio caseiro.
Um dos resultados mais importantes do Internato Rural em Caburi foi a redução da mortalidade infantil. Chegou a zero. Vimos muitas crianças por lá.
Outro resultado excelente foi o tratamento e armazenamento da água. As caixas d'água eram fabricadas na própria agrovila. E todas as casas tinham fossas sanitárias. Com as medidas tomadas sob orientação dos estagiários do Internato, o vibrião do cólera (lembra dessa época?) passou longe dali, segundo Paulo Fonseca, um dos líderes do local, numa das entrevistas do documentário. Mas, acreditem: o governo queria tirar o Internato de lá. Vá entender.
Fomos numa época de fartura: só naquela manhã, seu Fonseca, morador, havia pescado 22 tambaquis (ah, que delícia!). E era a vazante! Também havia muita manga, caju e abacate. Vi um abacateiro com "cachos" que deixavam os galhos encurvados. Eu nunca havia visto cacho de abacate. Quando eu disse, espantado:
- Olha só quanto abacate!
O garotinho que estava nos "ciceroneando" falou:
- Esse ano deu pouco.
Então, tá.
No fim da tarde houve uma reunião de avaliação dos alunos, que tiveram seu trabalho bastante elogiados.
A partida fica para a parte 3. FUI!
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Caburi, 27 de outubro de 1996 - domingo
AÇÃO!
Essa história foi verdade. Leia as partes 1 e 2 e confira. Eu sobrevivi. rsrsrs.
No terceiro dia, bem cedo, andamos por trinta minutos até chegarmos à colônia das casas de farinha, onde havia grandes focos de doenças. Imaginem, um lugar onde se produz alimento, produzir doenças!
Havia um poço artesiano, fornos e um pequena lagoa onde a mandioca (ou macaxeira, ou aipim) era mergulhado para tirar a acidez. Nesta época, as casas já estavam desativadas, mas fizemos algumas tomadas lá.
Voltando a Caburi, muitos pássaros, algumas plantações e uma casinha. A manhã acabara. Preparamos nosso almoço e depois, hora da partida. Puxa, até me deu saudades agora, rsrs.
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PAUSA!
Antes de continuar, devo voltar no tempo, nos meus antes dos quinze anos, acho:
Um dia eu estava em casa, assistindo uma sessão da tarde, um filme do Tarzan, no qual um grupo de pessoas andava na selva e teve que passar por dentro de um riozinho, água pela cintura, com bagagens e equipamentos. Aquela cena me deu um treco que não sei dizer o que foi. Só lembro que disse: "eu nunca teria coragem de andar num lugar desses."
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VOLTANDO À EXPEDIÇÃO
Nossa volta começou como uma viagem e terminou como outra aventura. Silvano e Dona Graça, para sorte deles, tiveram que ficar na agrovila. Seguimos na voadeira eu, Aparecida, Stanley e Sebastião, e toda a parafernália de antes.
A paisagem do lago é bonita. Depois de atravessá-lo, chegamos ao igarapé que, por causa da vazante, fica muito estreito.
Encontramos um pequeno barco encalhado, com passageiros. Alguns homens estavam mergulhando para desencalhar o barco. Mais adiante, passou por nós uma canoa supercarregada de mantimentos, com a borda quase no nível da água. Como é que essas canoas conseguem se manter flutuando sem a água entrar? Bela engenharia.
Nas margens: fazendas, gado, garças... tudo muito bonito, ATÉ QUE...
No meio da viagem, próximo a uma casinha de madeira, tivemos que parar, pois o igarapé ficou tão estreito que não poderíamos mais ir na voadeira.
Desembarcamos e tivemos que seguir a pé, cada um levando a sua bagagem, e eu ainda com o tripé e a filmadora. Stanley me ajudou com o tripé. Eu, de um lado com a filmadora no ombro e do outro, segurando minha mochila, ia filmando tudo.
Um garoto de seus 12 ou 13 anos, magrinho, surgiu no meio da história, não sei de onde, acho que da casa onde paramos, e veio nos ajudar. Ele levou as duas bolsas da Aparecida, CADA UMA EM UMA MÃO, sem o mínimo sinal de peso (sabe como é bagagem de mulher, né?).
O garotinho virou o nosso guia "turístico", ia na frente desbravando o que ele já conhecia bem, o caminho mais curto até as margens do Amazonas. Se aquele era o mais curto, não quero saber qual o mais longo.
"Bom, até que não está tão difícil", pensei, enquanto íamos andando em uma trilha.
Pelo mato fomos andando e pelo mato fomos... ATOLANDO! De repente, aquele filme do Tarzan me veio à mente, mas em proporções piores: a trilha acabava, não em água, mas em LAMA! Uma enorme poça de lama que tínhamos que passar.
E o garotinho ia que ia lá na frente, feliz da vida:
- Vamos lá pessoal, é por aqui!
E não era lama que sujava só os pés, não, nossas pernas afundavam até aos joelhos naquele lodaçal. Uma lama grossa que prendia nossos pés lá em baixo, muitas vezes nossos pés se retorciam e ficávamos presos nos tornozelos, quase causando uma entorse. Meu pé quase se desloca. Era ruim demais tirar literalmente o pé da lama, pois ela era muito pesada.
PAra a bagagem não sujar, segurávamos com os braços pra cima, dificultando mais ainda a caminhada. Andávamos com as asas abertas.
E o menino lá na frente, segurando as bagagens, cada uma em uma mão, como os braços levantados. Bracinho forte o do curumim.
Foram cenas de fazer inveja a Indiana Jones.
Eu era o último da fila, mas não perdia uma cena. Aparecida gritou:
- Eduardo, filma tudo isso pra gente mostrar lá em Manaus como é que se faz Internato Rural.
A roupa da Aparecida era branquinha... rsrsrsrsrs.
Stanley, segurando duas sacolas grandes, grunia:
- Se alguém disser que nós não trabalhamos, eu vou dizer "então vão lá seus @#$$%¨&*, e vão ver se fazem melhor!
Depois de uns 20 minutos naquele charco, finalmente saímos para um... mato cerrado! Nos deparamos com uma trilha de uns 40 cm de largura, mato alto e coceirento pelos dois lados... e o medo de cobras e outros bichos.
E o menino lá na frente. Já estou me enfezando com esse curumim.
Mais uns minutos passando por isso e, finalmente, demos numa praia onde havia alguns barcos grandes. Foi como se saíssemos de uma cortina, o mato logo atrás e na nossa frente o RIO AMAZONAS apareceu inesperadamente, largo, amplo, E LIMPO!
Ficamos na praia aguardando um dos barcos que ia para Parintins. Enquanto isso, nos sentamos, pedimos sabão e uma escova bem dura, pra tirar a casca grossa de lama das pernas. Que lama difícil aquela! A gente esfregava, esfregava, e nossas pernas não apareciam. Só um meião branco de jogador.
Embarcarmos, desta vez em um barcão, num riozão, sem preocupação.
E fomos para Parintins. Passamos a noite lá. No dia seguinte, bem cedo, voaríamos até Manaus.
Mas isso fica pra próxima parte. FUI.
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